quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Juiz concede liminar de paralisação a demolição da Vila do Forró

Liminar foi protocolada pelo vereador Diogo Cantarelli. O argumento é de que o Poder Executivo está destruindo um patrimônio público que existe em Caruaru há quase 20 anos
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Da Redação do Portal +AB
 
O Juiz da Vara da Fazenda, José Fernando Santos de Souza, concedeu a liminar do vereador Diogo Cantarelli, que pede a suspensão da demolição da Vila do Forró, localizada no Parque de Eventos Luiz Gonzaga. A liminar foi protocolada no início da tarde desta quarta-feira (26) pelo vereador, representado pelos advogados João Luiz e Márcio Melo. O documento pediu a paralisação da intervenção da prefeitura com o argumento de que o Poder Executivo está destruindo um patrimônio público que existe em Caruaru há quase 20 anos.
Segue a decisão do Juiz que determina multa diária de R$ 50 mil caso a ação não seja cumprida pela Prefeitura.
“Antes o exposto, DEFIRO a liminar vindicada, parcialmente e, via de conseqüência, ordeno a suspensão incontinente de todo e qualquer ato do Poder Público tendente a demolição das construções erigidas no Pátio de Eventos Luiz Gonzaga, sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), limitada a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais). Cite-se e intime-se a Fazenda do Município de Caruaru na pessoa do Senhor Prefeito ou do procurador judicial bastante, conforme, estatui, imperiosamente, o art. 12, II, do digesto instrumental, para contestar, querendo, no prazo de sessenta (60) dias, faça-se consignar as advertências do silêncio.  Diligências legais, com urgência urgentíssima”.
O vereador comemorou a decisão do Juiz. “O que aconteceu aqui foi um desrespeito ao povo de Caruaru. A nossa ação foi um pedido gritante da maioria da população, que procurou aos vereadores para podermos representá-los. Sei que cabe recurso, mas é uma resposta ao Prefeito que acha que é dono de Caruaru”, disse.
Segue abaixo cópia do Processo que está em tramite na Vara da Fazenda em Caruaru
Processo nº  0804-52.2011
Trata-se nos autos de ação popular, na qual requer o autor liminarmente seja determinada a paralisação quanto à demolição da VILA DO FORRÓ parte integrante do PÁTIO DE EVENTOS LUIZ GONZAGA, determinando-se, ainda, a reconstrução da parte já demolida (fls. 02-20). Decido.
Com efeito, o objeto da ação popular é o ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, conforme arts. 5º, LXXIII, CF, e 1º da Lei n° 4.717/65, in verbis:
"Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.
 § 1º - Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico. (...)." (redação do parágrafo dada pela Lei nº 6.513/77)
"Art. 5º LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; (...)."
Trata-se, pois, de um poderoso instrumento de exercício da cidadania e controle popular sobre a gestão da coisa pública, posto à disposição de qualquer cidadão para buscar a invalidação de atos lesivos ao patrimônio público, este compreendido em sua acepção mais ampla, como disserta o memorável HELY LOPES MEIRELLES: "(...) Na conceituação atual, lesivo é todo ato ou omissão administrativa que desfalca o erário ou prejudica a Administração, assim como o que ofende bens ou valores artísticos, cívicos, culturais, ambientais ou históricos da comunidade. (...) Embora os casos mais frequentes de lesão se refiram ao dano pecuniário, a lesividade a que alude o texto constitucional tanto abrange o patrimônio material quanto o moral, o estético, o espiritual, o histórico. (...)" ( in Mandado de segurança e outros, 27ª edição atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, São Paulo, Malheiros, 2004, pp. 128 e 129).
Desse modo, assevera o saudoso mestre: "(...) Se, antes, só competia aos órgãos estatais superiores controlar a atividade governamental, hoje, pela ação popular, cabe também ao povo intervir na Administração, para invalidar os atos que lesarem o patrimônio econômico, administrativo, artístico, ambiental ou histórico da comunidade. Reconhece-se, assim, que todo cidadão tem direito subjetivo ao governo honesto. (...)" (idem, p. 135).
Por seu turno, a liminar em ação popular, está prevista no artigo 5º, § 4º, da já citada Lei n° 4.717/65, introduzido pelo artigo 34 da Lei n° 6.513, de 20 de dezembro de 1977, que assim dispõe:
"Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado".
É sabido que para a concessão da liminar é necessário estar presente o periculum in mora e o fumus boni juris. Sobre esses requisitos, colhe-se da doutrina:
"A concessão da Medida Liminar obedece sempre aos pressupostos comuns e aos dois requisitos legais específicos, já repetidas vezes lembrados neste trabalho: a relevância dos motivos em que está fundado o pedido da inicial e a possibilidade do dano ameaçador do direito do requerente mostrar-se irreparável no instante da prolação da decisão de mérito." (FRIEDE, Roy Reis. Aspectos fundamentais das medidas liminares. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. p. 267)
"Para a concessão da liminar devem concorrer os dois requisitos legais, ou seja, a relevância dos motivos em que se assenta o pedido inicial, e a possibilidade da ocorrência de lesão irreparável ao direito do impetrante, se vier a ser conhecido na decisão de mérito." (In: Mandado de segurança e ação popular, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2. ed. p. 35).
Registre-se que os requisitos em tela são concorrentes, de sorte que "a ausência de um deles inviabiliza a pretensão do autor" (STJ, Resp nº 265.528/RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins
In casu, ao menos a um exame prefacial da lide, como se não bastasse à alvoroçada polêmica em torno da referida demolição, resta demonstrado o fumus boni iuris, na medida em que conquanto caiba ao Município o poder de utilização e o dever de conservação dos bens municipais, todavia, para mudar a destinação, aliená-los ou destruí-los dependerá de lei autorizativa.
Sobre o tema, Hely Lopes Meirelles ensina:
"A administração dos bens municipais, em sentido restrito, compreende unicamente a sua utilização e conservação segundo a destinação natural ou legal de cada coisa, e, em sentido amplo, abrange também a alienação dos bens que se tornarem inservíveis ou inconvenientes ao domínio público, como, ainda a aquisição de novos bens necessários ao serviços locais. O administrador do Município - o prefeito - tem, portanto, o poder de utilização e o dever de conservação dos bens municipais. Daí por que, para utilizá-los e conservá-los segundo a sua normal destinação, não precisa de autorização especial da Câmara, mas para mudar a destinação, aliená-los ou destruí-los dependerá de lei autorizativa"(Direito Municipal Brasileiro. 6 ed. SP: Malheiros, 1993, p. 230-231).
Tais considerações, tecidas num juízo sumário de cognição própria dessa fase, me leva a conclusão de que há fumus boni juris para a concessão da medida liminar.
Cabe ressaltar que pelos elementos coligidos nos autos, denota-se também que se encontra presente o perigo de lesão irreparável ou de difícil reparação, pois no caso de serem totalmente demolidas as construções erigidas no Pátio de Eventos Luiz Gonzaga, enquanto se aguarda o julgamento final desta ação, nada mais poderá ser feito para recuperá-lo, se for reconhecido como patrimônio histórico do Município de Caruaru.
Em última análise, verifica-se que há ainda o periculum in mora inverso, ou seja, prejuízos maiores poderão advir ao interesse público no caso de não ser deferida a liminar. A compensação pecuniária não interessa mais ao direito ambiental, ou seja, não existe o direito de aniquilar o meio ambiente, sob o pagamento de determinada quantia ao Poder Público. Hoje, o que se pretende, é a prevenção e a precaução por parte de todos, a fim de proteger o patrimônio cultural, como no presente caso.
Nesse sentido, conclui Édis Milaré:
"O princípio da prevenção é basilar em Direito Ambiental, concernindo à prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, de molde a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar a sua qualidade.
Tem razão Ramón Martin Mateo quando afirma que os objetivos do Direito Ambiental são fundamentalmente preventivos. Sua atenção está voltada para momento anterior à da consumação do dano - o do mero risco. Ou seja, diante da pouca valia da simples reparação, sempre incerta e, quando possível, excessivamente onerosa, a prevenção é a melhor, quando não a única solução. De fato,"não podem a humanidade e o próprio direito contentar-se em reparar e reprimir o dano ambiental. A degradação ambiental, de regra, é irreparável. Como reparar o desaparecimento de uma espécie? Como trazer de volta uma floresta de séculos que sucumbiu sob a violência do corte raso? Como purificar um lençol freático contaminado por agrotóxicos?". Com efeito, muitos danos ambientais são compensáveis, mas, sob a ótica da ciência e da técnica, irreparáveis. (...) De outra parte, essa ótica preventiva de tal forma se incorporou ao Direito Ambiental que a" Conferência da Terra "- ou ECO 92 - adotou em seu ideário o conhecido princípio da precaução, segundo o qual a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando evitar a degradação do meio ambiente. Vale dizer, a incerteza científica milita em favor do ambiente, carregando-se ao interessado o ônus de provar que as intervenções pretendidas não trarão conseqüências indesejadas ao meio considerado" (Obra já citada, p. 118/119. Os destaques não constam do original).
Antes o exposto, DEFIRO a liminar vindicada, parcialmente e, via de conseqüência, ordeno a suspensão incontinente de todo e qualquer ato do Poder Público tendente a demolição das construções erigidas no Pátio de Eventos Luiz Gonzaga, sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), limitada a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).
Cite-se e intime-se a Fazenda do Município de Caruaru na pessoa do Senhor Prefeito ou do procurador judicial bastante, conforme, estatui, imperiosamente, o art. 12, II, do digesto instrumental, para contestar, querendo, no prazo de sessenta (60) dias, faça-se consignar as advertências do silêncio.  Diligências legais, com urgência urgentíssima.
Intime-se. Cumpra-se, na forma e com os cuidados devidos.
           
Caruaru/PE, 26/1/2011 16:09:42  
Bel. JOSÉ FERNANDO SANTOS DE SOUZA
Juiz Titular da Fazenda Pública

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